QUANTOS HABITANTES POR FUNERÁRIA?

QUANTOS HABITANTES POR FUNERÁRIA?

Um assunto que vem a tona quando se fala em serviço funerário, é a quantidade de empresas funerárias permitidas em determinado município. Recentemente, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais julgou a inconstitucionalidade da lei do município de Araguari, que estabelecia a quantidade 01 (uma) empresa funerária para cada 100.000 (cem mil) habitantes.

O Colegiado do TJ/MG entendeu que o município não pode emitir normas que confrontem com a livre iniciativa e livre concorrência, previstas constitucionalmente, sendo que, a legislação de Araguari, conforme entenderam, se chocava com estes princípios:

“EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 2.699/91, DO MUNICÍPIO DE ARAGUARI – LIMITAÇÃO DE OUTORGA DE LICENÇAS E CONCESSÕES A NOVAS FUNERÁRIAS – PREVISÃO DE UM ESTABELECIMENTO COMERCIAL PARA CADA 100.000 HABITANTES – AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA, DA LIVRE CONCORRÊNCIA E DA SIMETRIA – VIOLAÇÃO AO DISPOSTO NO ARTIGO 165, §1º, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS E ARTIGO 1.º, INCISO IV, C/C ARTIGO 170, INCISO V, PARÁGRO ÚNICO, DA CR/88 – REPRESENTAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

– O Município, como ente autônomo da Federação, submete-se às normas constitucionais de observância obrigatória, conforme o disposto no artigo 165, §1.º, da Constituição do Estado, dentre elas aquelas previstas no artigo 1.º, inciso IV, e artigo 170, inciso IV, e parágrafo único, da Constituição da República, que estabelecem os princípios (ou programas) da livre iniciativa e da livre concorrência.

Município de Araguari/MG, teve lei julgada inconstitucional.

– A Lei n.º 2.699/91, do Município de Araguari/MG, ao estabelecer que outorgas de licenças ou concessões, para a exploração de atividade funerária, só serão dadas considerando a existência de um estabelecimento comercial para cada 100.000 habitantes, viola esses cânones, padecendo de inconstitucionalidade material. Ação Direta Inconst Nº 1.0000.19.021884-2/000”

Essa decisão não é única no país. Outro exemplo é o que ocorreu no Estado do Rio Grande do Sul, em período anterior, em que o Colegiado do TJ/RS adotou entendimento semelhante:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ALVORADA. SERVIÇOS FUNERÁRIOS. VÍCIO MATERIAL. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE, PROPORCIONALIDADE, LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. AFRONTA AOS ARTS. 19, CAPUT, 157, CAPUT E 266, CAPUT, DA CE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70040363707, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em 18/04/2011)

Na seara jurídica, a plausividade do tema é exponencial, uma vez que para tratar sobre a legalidade ou não da fixação de critérios para a concessão de alvarás para o exercício da atividade econômica funerária, baseada no parâmetro de quantidade de habitantes por empresa é necessário abordar e analisar uma série de fatores que podem culminar num julgamento favorável ou contra a questão.

Para refletir e julgar sobre o tema os julgadores, advogados e promotores envolvidos nessas discussões adentraram em temas como o conceito da expressão “interesse local”, contida no inciso I, do art. 30, da Constituição Federal, que prevê que o município possui autonomia para legislar sobre assuntos de interesse local, sendo que, em todas as discussões que envolvem serviço funerário, é consensual que estes são serviços de interesse local e são os municípios competentes par legislar sobre tais temas.

Por isso, se realizarmos uma coleta de todas as legislações que tratam de serviço funerário, existentes no país, veremos que cada uma possui uma redação diferente da outra, inexistindo uma norma igual a outra, ou um parâmetro a ser seguido. Para se chegar aos julgamentos das situações aqui trazidas como exemplo, ambos os colegiados entenderam que aquelas normas municipais feriam os princípios da livre iniciativa e livre concorrência, confrontando, assim com os preceitos constitucionais.

A ordem constitucional brasileira estabelece um modelo econômico baseado na liberdade de iniciativa, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, sem exclusões nem discriminações.

É possível que vários dos leitores deste artigo estejam sediados em município com menos de 100.000 habitantes e em seu município devam existir no mínimo 02 (duas) empresas, se não mais. Há outro percentual de leitores, sediados em municípios em que o serviço funerário foi recebido pelo Poder Público como sendo um serviço público, passaram por uma licitação, onde havia uma quantidade específica de empresas que poderiam prestar os serviços e assim trabalham.

Tomando essas duas situações como base, independente da forma ou sob que regime cada empresa atua, o município onde elas estão instaladas, possuindo ou não legislação apropriada que trate sobre o serviço funerário, deve prioritariamente respeitar “o princípio constitucional da livre iniciativa, expresso no caput do artigo 170 da Carta Federal”.

Então, é necessário nos atentarmos à peculiaridade quando o assunto é “serviço funerário”. Como dito, cada município possui uma realidade diversa do outro e cada norma que trata de serviço funerário se refere à realidade daquele município que a emanou, não podendo, em sua integralidade, ser aplicada a um município diverso, pois a economia, costumes, estruturação e características regionais, culturais e populacionais são diversas.

Entendo que, quando um município regulamenta de forma adequada os serviços funerários como sendo, em sua totalidade serviços públicos, é possível que, através de critérios técnicos, seja estabelecido a forma que ele poderá prestar diretamente ou delegar os serviços funerários a terceiros, sendo possível, inclusive, determinar a quantidade de empresas que serão necessárias para fazerem as suas vezes no atendimento à população.

Na situação específica do município de Araguari/MG, não se pôde constatar a devida regulamentação do serviços funerário. O que existe é uma Lei de 1976, que diz que, enquanto o município não realizar a concessão dos serviços funerários, os mesmos poderão ser prestados por empresas funerárias que possuam concessão ou mera licença.

Quanto a licitações naquele município, as únicas envolvendo serviços funerários, são as referentes a serviços para atendimento a famílias carentes e outra, referente a auxílio funeral, que não se confunde com a prestação de serviços funerários.

Então, em relação a Araguari, o serviço funerário não foi recepcionado legalmente como sendo um serviço público, então, correta o posicionamento da ADIN, quando entende que há ali uma reserva de mercado, que se choca com o princípio de livre iniciativa.

Município de Alvorada/RS, também teve lei julgada inconstitucional.

Em relação ao município gaúcho de Alvorada, a situação é diferente, pois, mesmo sendo o serviço recepcionado como um serviço público, o judiciário realizou um julgamento considerando inconstitucional a fixação de empresas funerárias naquele município, baseando-se no desrespeito ao princípio da razoabilidade.

Portanto, temos duas situações distintas, com o mesmo entendimento, o de declarar inconstitucional as normas daquele município que fixaram a quantidade em empresas com base no número de habitantes.

No entanto, o que deve ser observado é que, quando se trata de serviços funerários, há que se levar e conta as peculiaridades locais. No caso de municípios em que inexiste a recepção destes serviços como públicos, não há que se falar em qualquer limitação de mercado.

É de fato inconstitucional a fixação de critérios baseados na quantidade de habitantes, para se autorizar ou não a instalação de empresas funerárias, se no município não existir legislação que recepcione tais serviços como públicos. Quando há norma municipal recepcionando os serviços funerários como públicos e o Poder Público, chamando para si tal responsabilidade, com a possibilidade inclusive de delegar tal responsabilidade a terceiros, em quantidade e forma que entendem e justificam tecnicamente, não há que se falar em ilegalidade.

Dr. Anderson Adão – OAB 40.886/PR

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